De repente, me dou conta: é Carnaval! E o Carnaval, normalmente, pelo menos assim se convencionou, é o ato final de um período de refreamento da análise, das discussões e das decisões sobre as questões e os temas mais sérios da vida nacional. Depois das férias e das festas momescas, aí sim, vamos falar sério e cuidar da maltratada vida de nossa gente.
Sendo Carnaval, festa pagã que remonta à velha Roma imperial (e, antes da Antiguidade clássica, é provável, à Babilônia), resolvi falar dele. Mas, cá pra nós, não sei se foi uma boa decisão, temo até que tenha sido uma péssima escolha de tema, pois não sei o que dizer. Aliás, sequer sei como principiar o texto, pois não quero falar da história do Carnaval no mundo e em nosso país, onde a folia momesca fez morada e se domiciliou com espantosa naturalidade.
Diante do impasse, lembrei-me de um conto, que, provavelmente, nuca publicarei, no qual o narrador principia dizendo:
"Nunca ouvira falar da Commedia dell'Arte e não sabia distinguir os papéis de Pierrô e Arlequim na encenação teatral que deu origem às personagens. Mas tinha certeza que não faltaria para a disputa farsesca entre ambos, uma esfuziante Colombina. Isso em quaisquer dos bailes carnavalescos promovidos pelos clubes sociais da cidade, que frequentava com amigos.
E, além dessas personagens, havia bailarinas morenas, marinheiros de quepe branco, suaves melindrosas, piratas com barbas mal enjambradas e mascaradas cujas máscaras mais mostravam do que escondiam os rostos jovens e sedentos de alegria. E havia esguias indígenas de cabelos dourados. E confete e serpentina e lança-perfume, que, liberado, era usado sem problemas legais ou falsos moralismos por foliões de todas as idades, fantasiados ou sem outras fantasias, que não as metafóricas evocadas por Momo e sua corte."
Só então percebo que essa introdução poderia ser a introdução que qualquer um com mais de cinquenta anos faria, se instado fosse a falar dos "velhos carnavais" em nossa cidade ou nos salões espalhados pelo Brasil.
Pois é, mas eu não queria e não quero entrar em uma onda saudosista. O que foi, foi, não mais será. Cada tempo com seus usos e seus costumes. E, nos costumes, o jeito particular de cada um fazer festa e cantar a alegria, que é, afinal de contas, o grande mote da celebração carnavalesca.
Pena que o refrigério, que de alguma forma o Carnaval significa para as graves questões que angustiam todos quantos tenham compromisso mínimo com o sonho de um país mais decente, seja apenas isso, refrigério, alívio passageiro. Pena que continuemos sem entender bem nossos papéis no andamento da trama e que, antes, não tenhamos compreendido com mais profundidade como deveríamos o significado das personagens inicialmente referidas no texto. Tivéssemos compreendido, talvez, nosso país, hoje, não dependesse tanto da grande sátira social que é o carnaval para uma semana de alívio no drama real que vivemos o ano inteiro.